Universo das misses no Brasil e no mundo: um século de história além do tchauzinho
Um ideal de beleza sempre esteve presente nas sociedades dos mais variados povos do planeta. Com o passar dos séculos e milênios, o que era belo na pré-história com a simbolização de Vênus e, sobretudo da Europa à Sibéria a partir de 26 mil a.c., com representações, em sua maioria, de mulheres com seios, coxas e quadris largos, gordas ou grávidas, talvez seria antiquado na América dos Astecas. Ou ainda mais para frente, no auge de uma Europa Renascentista, onde após condenação pagã da Igreja na Idade Média, a mulher volta a aparecer artisticamente com nudez, valorizando sua silhueta voluptuosa, pele branca, e cabelos longos e claros.
Foi somente na década de 1920 que surgiu o que conhecemos hoje como concursos de beleza, fruto de um produto do entretenimento em um pós-Primeira Guerra Mundial. Alguns países como França, Estados Unidos e Alemanha saíram na dianteira e criaram seus concursos em 1921 (Miss França e Miss America) e 1927 (Miss Germany). O Brasil só viria a ter seu primeiro concurso nestes moldes em 1929.
"Os concursos ganharam muita força nessa década de 1920. Aqui no Brasil, se você for pesquisar, vão dizer que a primeira Miss Brasil é de 1900 ou de 1908. Essas foram vencedoras de concursos de beleza realizados por jornais no Rio de Janeiro. Eu não considero elas misses Brasil, porque primeiro que não houve esse título e segundo porque o Rio de Janeiro não era o Brasil”, explica Henrique Fontes, internacionalista pela Florida International University, diretor do Concurso Nacional de Beleza (CNB), editor do site Global Beauties e missólogo — especialista no mundo miss.
De acordo com o especialista, o primeiro Concurso Nacional de Beleza de verdade foi lançado em 1921 como parte da comemoração de 100 anos da Independência do Brasil de Portugal, em 1922. Candidatas de todos os estados puderam se inscrever através de seus jornais locais. Das inscritas, 400 passaram da primeira classificação, que foi sofrendo cortes até chegar nas quatro finalistas.
“Todas as escolhas eram feitas através de votação popular nos jornais e depois tinha um júri de artistas no Rio de Janeiro que analisavam as fotos. Imagina, não tinha uma qualidade tão grande. Mas não foi um concurso presencial como muitos alegam. Se não me engano foi no Instituto Brasileiro de Arte e três artistas escolheram a Zezé Leone, que nasceu em Campinas, mas cresceu em Santos, como a primeira 'Sua Majestade a Mais Bela'. Zezé foi uma espécie de Gisele Bündchen dos anos 20. Ela teve uma locomotiva que ganhou o nome dela, uma sobremesa, um busto na cidade de Santos, uma rua. Uma super personalidade e ganhou o direito de representar o Brasil em um concurso internacional. Além do Texas tinha um na Bélgica e um em Paris, e ela pôde ir para Paris e não quis. Preferiu receber o dinheiro equivalente à viagem e nunca representou o Brasil em nenhum concurso", afirma Henrique Fontes.

Já o primeiro concurso de Miss Brasil com este nome nasceu em 1929, no Rio de Janeiro, com candidatas de quase todo o Brasil. Todas jovens mulheres chegavam à capital federal de transportes como trem e até navio: “Foi um acontecimento fantástico. O grupo foi de trem para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro. Eram recepções e mais recepções. A final aconteceu no estádio das Laranjeiras, do Fluminense, e era tanta gente, que eles calcularam 30 mil pessoas e invadiram o campo, as meninas mal conseguiam desfilar. Acabou ganhando a Miss Distrito Federal, ou seja, Rio de Janeiro, derrotando a paranaense que era a grande favorita e foi uma artista, pianista e poetisa. Ela foi a vice, é uma mulher que tenho até a biografia em casa, a Didi Calé. A Olga Bergamini vence e ela vai para Galveston (Texas), é a primeira brasileira a representar o Brasil no exterior", afirma Fontes.
Os concursos internacionais e o Brasil
O primeiro grande concurso internacional reconhecido e que recebia candidatas de outros países foi o Concurso Internacional de Beleza (International Pageant of Pulchritude), sediado no estado do Texas, nos Estados Unidos. Candidatas de vários países e de boa parte dos estados dos EUA competiam. A vencedora do Miss Brasil 1929, Olga Bergamini, vai para lá com forte apoio.
"A expectativa era tanta que quando ela parte do porto no Rio de Janeiro, calculam-se 50 mil pessoas [na saída]. Tem umas fotos muito impressionantes. Aí ela passa por Salvador, Nova York, e de lá desce e vai para Galveston. Ela não se classifica e isso causa uma revolta no Rio de Janeiro que em 1930 cria o seu próprio 'Miss Universo'. Foi realizado um concurso muito bem organizado com muitas atividades e jantares e foram 26 candidatas, um número muito expressivo para a época e com candidatas da grande maioria dos continentes presentes. Aí sim ganha a gaúcha, a Yolanda Vargas, de Pelotas, e em segundo fica Portugal. A grega, que era a grande favorita, ficou em terceiro lugar. O concurso aconteceu em frente ao Copacabana Palace, que era uma das novidades do Brasil, um hotel luxuoso que tinha sido inaugurado recentemente e era um acontecimento", detalha Fontes.

Coincidentemente com a Grande Depressão de 1929, os concursos dão uma estagnada. Em 1932, a brasileira Vânia Pinto chega a ser escolhida por brasileiros em Paris para concorrer em um concurso de beleza na França, diz Fontes. "Em 1938 tem mais uma Miss Brasil, ganha uma carioca, e depois em 1949, no Quitandinha em Petrópolis, vence a Miss Goiás. Um dos prêmios seria representar o Brasil lá fora. Nunca pagaram [o prêmio em dinheiro] e ela até reclamou bastante sobre isso".
A ‘era moderna’ dos concursos como conhecemos hoje sem interrupções e já com consolidação de mais países vem no pós-Segunda Guerra Mundial: “Os concursos de beleza vieram a partir de fotos. Os primeiros concursos que a gente tinha na verdade eram votos em jornal. A gente tem até o Machado de Assis como jurado do ‘Miss Brasil’. A primeira que a gente tem notícias é a Aimee, chamada de ‘Demônio Loiro’. Com a adesão da fotografia os concursos passaram a existir, mais precisamente na França, mas entrar no circuito global foi muito graças ao Miss Mundo”, crava Elaine Cristina, professora, CEO do Concurso Belezas do Brasil e missóloga.
"O Eric Morley cria o Miss Mundo sem nem saber que seria o Miss Mundo. Tem uma grande feira em Londres com diversas atividades, ciências e mais, e para chamar atenção do público ele resolveu criar um concurso de biquíni. Era chamado concurso de biquíni e era aberto para moças de todo o mundo. Eram várias britânicas, suecas, meninas de outras partes da Europa, uma mexicana, e ganha uma sueca. Ela é considerada a Miss Mundo pela imprensa que começou a chamar ela de Miss World. E criam o Miss Mundo com faixas e países em 1952. Curiosamente, a Suécia venceu de novo. Temos o primeiro back to back [quando um país vence seguidamente] logo de cara", explica Henrique Fontes, que é o franqueado do Miss Mundo no Brasil desde 2006.
Apesar de se tornarem concorrentes no circuito global por se tornarem rapidamente populares, o Miss Universo, surgido apenas um ano depois do Miss Mundo, só foi criado porque houve uma dissidência do Miss America, já que a vencedora da edição de 1951 se recusou a usar o maiô da marca Catalina: “Ela deixa claro que entrou no concurso para conseguir a bolsa de estudos [na universidade], o Miss América até hoje é conhecido pelas bolsas de estudos que dá às americanas. E a Catalina se irrita, se junta com a Universal na Califórnia e cria o Miss Universo. Inclusive com a ideia de celebrar Hollywood e descobrir novas estrelas de cinema. Não aconteceu exatamente assim, algumas até fizeram alguns filmes, mas nenhuma se tornou uma estrela de Hollywood naquela época", conta Fontes.
Dois anos depois, em 1954, o Brasil realiza seu primeiro concurso de beleza que seguiria com periodicidade anual. Seis candidatas se reúnem em Quitandinha, em Petrópolis, e Martha Rocha ganha a competição. Favorita no Miss Universo, ela chega em Long Beach, na Califórnia, como uma das grandes favoritas, mas alcança apenas a segunda colocação e a coroa ficou com a dona da casa, Miriam Stevenson: “Os Estados Unidos ganhava porque era a terceira edição, começava a declinar o interesse e eles precisavam de uma americana vencendo. A Martha acaba sendo vítima disso. Mas a Martha era tão espetacular que ela se tornou uma celebridade", ressalta o editor do Global Beauties.
Apesar da derrota, o vice-Miss Universo de Martha Rocha ajudou a popularizar o Miss Brasil e em 1955 o concurso chega com muita força com quase todos estados e territórios representados em Petrópolis. "Tem uma curiosidade, o Eric Morley mandava as candidatas britânicas ao Miss Universo além de produzir o Miss Mundo, e ele se encanta com a Martha e a convida para representar o Brasil no Miss Mundo. A princípio ela aceita, porém o sucesso dela foi tanto que era como se ela se tornasse uma Anitta de repente e não cabe ela participar mais de concurso de beleza nenhum [e ela não vai]. E o Brasil acabaria esperando até 1958 para participar do Miss Mundo com o convite de um cara que juntava as misses europeias para participarem dele. Ele cria uma campanha no Brasil, traz a Miss Mundo 1957 para fazer um tour fashion e a partir de 1958 a segunda colocada no Miss Brasil passa a ser a representante brasileira no Miss Mundo", explica Henrique Fontes.

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