PAPEL DA TELEVISÃO
- Caio Santana
- 4 de dez. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2023
Os concursos de beleza se consolidam com a expansão da TV
A popularização dos concursos segue crescente. Eles se estabelecem no circuito mundial de entretenimento televisivo, entrando na grade de programação de vários países de importantes mercados.
“O Miss Universo, que começou em Long Beach com grande público transmitido por emissoras locais, a partir de 1960, quando se mudou para Miami Beach, também passou a ter transmissão costa a costa nos EUA ao vivo e para vários países. Para outros chegava com a novidade do vídeo-tape, além de ser notícia principal em diversos jornais e revistas de todo o mundo. A partir de 1966 passou a ser transmitido em cores e ao vivo para a Europa, e a partir de 1969 para o resto do planeta. O mesmo aconteceu com o Miss Mundo, sempre transmitido pela BBC e depois pela Independent TV, com público gigantesco no Royal Albert Hall [teatro de Londres]”, destaca Roberto Macedo, jornalista e missólogo.
Conforme Elaine Cristina, o Miss Mundo teve essa questão de se portar como entretenimento de fato. Era o concurso que ia para a TV das pessoas: “A adesão do Brasil foi nesse sentido, sempre foi entretenimento no Brasil, eram votos como de eleição, mas acho que a TV popularizou isso por volta dos anos 70”.
“No entanto, o Miss Universo sempre teve mais prestígio no Brasil e o Miss Mundo ao redor do mundo. Hoje eu acredito que talvez seja por conta das ideias do Eric Morley que eram arranjadas: ele entendia aquelas mulheres como peças do seu entretenimento, e o Miss Universo camuflava isso de alguma forma, não deixava tão explícito. O Eric Morley deixava isso explícito e talvez isso tenha feito com que não tivesse tanto adesão [aqui], tanto que era a Miss Brasil número 1 para o Miss Universo, e a Miss Brasil número 2 para o Miss Mundo. Acho que o Eric Morley colocou essa veia de entretenimento nos concursos, mas ao mesmo tempo afastou muita gente. A gente viu mais protestos relacionados ao Miss Mundo do que ao Miss Universo”, pontua Elaine.

O melhor momento do Brasil nos concursos foi nos anos 50, mesmo sem vencer algum, afirma Henrique Fontes: “A gente teve uma penca de vices no Miss Universo: Martha Rocha (1954), logo em seguida Terezinha Morango (1957), Adalgisa Colombo (1958) e elas são consideradas talvez os três grandes nomes [do mundo miss brasileiro]. Até certo ponto, talvez até mais as que venceram o Miss Universo. Elas eram mega, ultra celebridades nos anos 50. Foi uma época que o Brasil ganhou a Copa do Mundo na Suécia e a Revista Manchete dividiu a capa entre a Adalgisa e um jogador do Brasil erguendo a taça".

No final dessa década, o Miss Brasil é transferido de Petrópolis para o Rio de Janeiro e o ginásio de esportes do Maracanãzinho vira palco de uma multidão que se reunia para assistir às finais dos concursos de beleza. O Brasil venceu o Miss Universo em 1963 com Ieda Maria Vargas, do Rio Grande do Sul, e em 1968 com Martha Vasconcellos, da Bahia. “Essa loucura toda segue nos anos 60 e o declínio começa no finalzinho da década e começo dos anos 70. Vem o feminismo, as pessoas começam a questionar aquilo, o papel da mulher e o quanto isso é fútil. É no começo dos anos 70, inclusive com ação das feministas”, aponta Fontes.
Até 1975 era quase certa a classificação do Brasil, com raras exceções de não presença nos tops (1961, 1966, 1974). A partir daí as classificações passaram a ser esporádicas, mesmo no período em que o comunicador Sílvio Santos teve a concessão do concurso e no ano em que a primeira negra brasileira disputou o Miss Universo com Deise Nunes, em 1986: “Depois veio um período fora da TV aberta, que foi de 1990 a 2001 – creio que tenha sido o período mais frustrante, com pouca divulgação e pouquíssimas classificações internacionais. Ao retornar à TV aberta, em 2002, o concurso passou a ter mais visibilidade e promoção, e destaco o sucesso no Miss Universo no período entre 2011 e 2020 com 10 classificações consecutivas. Hoje o Miss Brasil não tem um novo franqueado anunciado e está fora da TV. Com isso, sem classificações em 2021, 2022 [e 2023]”, ressalta Roberto Macedo.

Em relação ao Miss Mundo, de fato, até hoje o Brasil prefere o concurso americano em detrimento ao britânico: “Mesmo quando a Lúcia Petterle ganha, lógico a vitória dela é celebrada, ela ganha as capas das revistas e jornais, mas a vitória dela vem com uma controvérsia porque ela se recusa a assinar o contrato do Miss Mundo, porque ela quer concluir a faculdade de medicina dela e o contrato era de três anos. Ela disse que se fosse de um ano assinava, eles dizem que não, batem o pé, então eles dizem: ‘você não vai perder seu título, mas você não vai viajar o mundo e você não vai poder usar a faixa’. Tanto que ela vai ao Miss Brasil no ano seguinte sem a faixa de Miss Mundo, sem coroa, sem nada. Ela não coroa a sucessora dela, a gente já entra com esse bafo, essa confusão", fala Fontes.
O ponto de virada ocorre quando fica responsável pela franquia e passa a organizar concursos próprios para o Miss Mundo, seguindo seus moldes. Também há um interesse midiático com cobertura constante da Revista Caras e até transmissão feita pela TV UOL. O Brasil passa a se destacar no concurso, tendo chegado até mesmo a conseguir sete classificações consecutivas de 2011 a 2017. "Apesar de ainda não ter vindo a coroa, vieram cinco títulos de Rainha das Américas, o que o Brasil nunca tinha ganho desde que o esse título foi instituído em 81. Diversas classificações, a Julia Gama ganhando o Beleza com Propósito em 2014. O Brasil pelo menos passa a ser notado pelo Miss Mundo e, aqui no Brasil, em várias regiões dependendo do estado, as pessoas começam a entender verdadeiramente essa diferença de que todos os concursos são oficiais e ali eu mesmo entendo a relevância de você ter um concurso nacional para um grande concurso internacional”.
O franqueado nacional também destaca um momento importante do Miss Mundo Brasil quando Silvio Santos decide realizar concursos específicos de 1983 a 1987: “Foram poucos anos, mas tinha um concurso nacional com uma fórmula própria, eram 10 candidatas que eles escolhiam a dedo. Tinham provas diferentes, prova da fantasia, da fotogenia. Uma coisa ninguém pode negar. Os anos 1980 o Silvio Santos traz muita originalidade, ele tinha uma equipe de marketing muito boa tanto para o Miss Universo quanto para o Miss Mundo, ele repagina o universo nos anos 80. Você tem audiências em 1983, o Miss Brasil teve 71 pontos no Ibope com a Globo em 2º com 8 pontos, foi o ápice dele. Mas o Silvio acabou perdendo, porque alguns resultados eram duvidosos e porque lá fora não vinham boas classificações”.

Na era Silvio Santos, o Brasil só teve uma finalista do Miss Universo, Adriana Alves de Oliveira em 1981 com seu 4º lugar. As demais eleitas chegavam no máximo a serem semifinalistas ou sequer se classificavam: “Justamente por isso, resultado que muitas vezes ninguém entendia. No Miss Mundo a gente teve a Cátia Pedrosa em 83 quando o SBT assumiu, ela ficou em 3º e se tornou uma celebridade bem conhecida nos anos 80 e em 1984 com a mesma Adriana Alves de Oliveira, que foi Top 7 no Miss Mundo. Ela era a favorita das casas de aposta de Londres, mas ficou em sexto lugar. Aí em 1987 o SBT larga o Miss Mundo, e em 1989 o Miss Universo e a gente entra nos anos 1990”.
“Para mim, os anos 90 a gente entra no fundo do poço de todos os concursos. No Miss Mundo a gente tem duas classificações, em 96 e 98, e no Miss Universo só outras duas classificações, em 93 e 98. Fora isso, o Brasil não se classificava. Os concursos eram muito cafonas aqui. Um era televisionado, outro não, mas não existia constância, interesse, tudo era muito cafona, na base do deboche, era quase que um meme. Foi uma década deplorável em termos de produção. Muito ruim mesmo", opina o internacionalista Henrique Fontes.

Gostei muito de seu modo de escrever. Parabéns, Caio!