O início da fase de alterações das regras no Miss Universo
Há quem acredite que toda reformulação dessas regras — incluindo a participação de mulheres trans no Miss Universo em 2012 quando o dono ainda era Donald trump, antes dele se tornar presidente dos EUA — ocorreu por uma adaptação ao mercado visando os novos tempos com uma geração jovem mais engajada digitalmente e menos interessada nos concursos. Contudo, a pesquisadora Ana Maria é categórica: “Não foi uma adaptação ao mercado. Porque, na verdade, já existem concursos de mulheres plus size, concurso para mulheres casadas também, um concurso universal que elege a mulher trans mais bonita que até tem uma certa visibilidade. O mercado já tinha produtos de entretenimento voltados para ele”.
Um exemplo desses concursos é o Miss International Queen, voltando exclusivamente para mulheres transgêneros e travestis, que teve a edição brasileira realizada no final de novembro com presença da reinante atual, Solange Dekker, da Holanda.

“O que aconteceu com o Miss Universo é que ele foi caindo em termos de audiência diante de outros concursos de miss. Principalmente diante do Miss Grand International que eu acredito que possa superá-lo dependendo do que aconteça. Então a evolução do formato do concurso em si foi uma tentativa desesperada de fazer alguma coisa diferente, de se diferenciar de modo a poder voltar a ter atenção. O Miss Universo é uma arena de construção de gênero, as mudanças são esperadas. Só não sabemos o que vai acontecer se houver uma quebra de expectativas. A tendência é que o Miss Grand International, que continua com as formatações do Miss Universo antigamente, venha a crescer. Mas a gente não sabe, porque todos os concursos são arenas de construção de gênero, temos que dar tempo ao tempo”, conta a pesquisadora, fazendo alusão de que esse momento de transformações no concurso é como um cânone literário, temos que esperar bastante para ver se vão sobreviver ao tempo.
“Mesmo criticados, os concursos de beleza são assistidos e ainda existem. Mas eu diria que eles ainda existem, vou ser bem redundante, ainda existem por enquanto. Alguns vão sobreviver e outros não, se sobreviver vai ser com coisas bastante diferentes”, acredita Ana Maria. Ela enfatiza o papel dos jornalistas na construção do padrão Miss Universo, por terem sido responsáveis pela criação de toda a narrativa em volta de como deveria ser uma miss.

Um período em que isso foi forte se dá de 1954 até a década de 70. “A história das duas polegadas a mais da Martha Rocha [em 54] foi inventada por um jornalista, João Martins, dos Diários Associados [revista O Cruzeiro]. Isso me foi confirmado por outro jornalista e pela própria Martha Rocha, que disse na biografia dela que quando chegou no Miss Universo ela jamais foi medida nem pesada, a única coisa que fizeram foi colocar um holofote no meu cabelo para ver se era pintado ou peruca. As duas polegadas a mais foi um mito”, revela a pesquisadora.
“O título da minha dissertação era telefone sem fio porque as coisas eram ditas de uma pessoa para outra e no final era uma mensagem totalmente diferente. Por exemplo, a sobrinha do presidente é uma ideia que não confere com a realidade. A Ieda Maria Vargas não era sobrinha do Getúlio Vargas. Tudo isso é narrativa e uma narrativa é construída por jornalistas. Acredito que hoje é muito diferente porque de todos os compromissos que os jornalistas possuem com a fidelidade, à verdade. Mas antigamente, quando eles eram conhecidos como repórteres, a narrativa que eles produziam não conferiam com a realidade, mas se estabeleciam”, afirma Ana Maria.
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