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ELEIÇÕES NACIONAIS

Foto do escritor: Caio SantanaCaio Santana

Atualizado: 11 de dez. de 2023

Eleições nacionais históricas da última década: mães, negras, plus-size e transgêneros


As recentes mudanças no Miss Universo já refletem efeitos, e não apenas nas próprias regras em si. Poucos meses após anunciarem a permissão de mães e casadas no concurso, a magnata tailandesa Anne Jakrajutatip, que é uma mulher transgênero, comprou o Miss Universo e passou a gerir o concurso. Ela, que vem de um país simpatizante aos concursos de beleza, parece entusiasta em colocar em prática as mudanças do concurso.



Miss Colômbia, Camila Avella, com sua filha e marido. Créditos: Reprodução/ Instagram

O Miss Universo 2023, o primeiro feito em sua gestão por completo, já foi o mais diverso da história: foi a primeira vez que duas mães (a Miss Guatemala, Michelle Cohn, e a Miss Colômbia, Camila Avella), duas mulheres transgênero (a Miss Portugal, Marina Machete, e a Miss Holanda, Rikkie Kollé), uma miss de 30 anos (a Miss Bulgária, Yuliia Pavlikova) e uma miss plus size (a Miss Nepal, Jane Garrett) participaram ao mesmo tempo de uma mesma edição.

A edição também foi histórica, já que foi a primeira vez que uma mãe se classificou, a Miss Colômbia (Top 5), e também a primeira vez que uma mulher trans foi semifinalista, a Miss Portugal (Top 20).



Marina Machete, Miss Portugal 2023. Créditos: Reprodução/ Instagram

No Brasil, nenhuma mulher trans conseguiu chegar à etapa nacional do Miss Universo Brasil. Mas mães e casadas já conseguiram o feito. Renata Guerra, Miss Goiás 2023, foi uma delas. Uma das maiores preocupações das mulheres, principalmente as mães, é em relação ao corpo, mas isso não chegou a ser uma preocupação tão grande para ela.


“Quem me pergunta se sempre fui magra a resposta é sim, faz parte da minha genética, essa sou eu. Quando eu engravidei muitas pessoas falavam que meu corpo já era, meu corpo não seria o mesmo, eu não poderia mais ser modelo. Nunca me preocupei com isso porque eu sempre sonhei em ser mãe. Eu tava vivendo o sonho da minha vida, gerando uma vida. Então, o que eu menos preocupava era com a estética. Depois que eu tive a Samira eu engordei seis quilos, não propositalmente, foi o que tinha que ser, ela nasceu uma bebê grande e saudável. Depois disso já veio a pandemia e não que eu tenha me preocupado em voltar ao meu corpo, mas todos estávamos reclusos, então não tinha aquela pressão gigante de voltar para meu corpo. Pude curtir minha maternidade em paz sem ter que voltar meu corpo em dois meses para voltar a trabalhar”, lembra.


Renata Guerra e sua filha, Samira. Créditos: Reprodução/ CNN Brasil

“Claro que nosso corpo não é mais o mesmo depois de gerar uma vida. Uma estria ali, o umbigo que ficou mais para fora, os seios, mas isso nunca me afetou, não acho que é uma grande questão para mim. Mas é o que eu sempre falo, é a individualidade da mulher, cada uma vai viver a maternidade e tudo o que ela traz de diferente. É um momento único”, afirma Renata.


Por falar em corpo, o da Miss Nepal, Jane Garrett, chamou atenção por não ser um corpo magro, como o da Renata Guerra. Ela, que tem a síndrome dos ovários policísticos e é ativista de positividade corporal, foi ovacionada pela plateia do Miss Universo e isso provavelmente ajudou ela a se classificar entre as 20 semifinalistas do concurso. Antes dela, a Miss Canadá 2016, Siera Bearchell, ainda que estivesse com um corpo magro, foi criticada por não ser um “corpo de miss”. Ela decidiu abraçar a bandeira do seu corpo natural após os sacrifícios que fazia para manter o corpo magro. Chamando atenção da mídia internacional, ela foi semifinalista e alcançou o Top 9 do concurso.



Miss Nepal 2023, Jane Garrett. Créditos: Reprodução

A Miss Canadá Siera Bearchell, no Miss Universo 2016 onde foi Top 9, e no Miss Supranational 2015, onde ficou em 2º lugar. Créditos: Reprodução/ Voltaire Domingo, NPPA/ Siera Bearchell on Instagram @sierabearchell/ ABS-CBN News

“É bastante importante a presença da Miss Nepal no Miss Universo com corpo fora do padrão Barbie. Ela [parecia] muito simpática, a plateia estava com ela. Ela era aplaudidíssima, acredito que as pessoas continuam admirando a coragem dela. Nenhuma mudança se produz se não tiver pioneiras corajosas”, ressalta a pesquisadora Ana Maria.


Em meio a importantes mudanças, a pauta racial ganhou força na última década. Em 2019, houve o ineditismo nos EUA das quatro misses dos maiores concursos de beleza do país serem negras: Miss Universo Zozibini Tunzi, Miss EUA Cheslie Kryst, Miss Teen EUA Kaliegh Garris e Miss America Nia Franklin.



Miss Universo 2019 Zozibini Tunzi, Miss EUA Cheslie Kryst, Miss Teen EUA Kaliegh Garris e Miss America Nia Franklin. Créditos: Reprodução/ Site Mundo Negro

No Brasil, a emergência da pauta reflete na eleição das misses negras pela primeira vez em mais de 25 anos. Também foi alcançado um marco no nacional de 2016 quando o concurso Miss Brasil Universo, então chamado Miss Brasil Be Emotion, foi o mais diverso da história com um total de seis misses negras participando em um universo de 27 candidatas.


"A gente só deixou o Brasil aparecer no concurso, porque o Brasil é plural. Essas belezas vieram cada uma do seu lugar, do seu estado. Nem foi de caso pensado 'agora vamos eleger uma negra'. Não, foi fato, ela ganhou, ela era a mais bonita, ela brilhou naquele dia. A Raissa, e mesmo antes, a Sabrina [Paiva] no Miss São Paulo. O que aconteceu foi que o fato de uma menina negra ter sido eleita Miss São Paulo, encorajou outras a entrar no concurso. Essa sequência de meninas eleitas, a força de uma representante, impactou socialmente: outras meninas se sentiram encorajadas", lembra Karina Ades, que comandou o Miss Brasil quando ele era patrocinado pela Polishop de 2015 a 2019.


"Quando a Sabrina é eleita o Brasil olha: espera aí, então a diversidade aqui é permitida? Podemos ter uma representante negra aqui? Então vamos lá, vamos concorrer a esse concurso. E elas vieram mesmo. O concurso teve esse papel muito forte de impactos socialmente e de fazer meninas negras acreditarem nas suas belezas. O concurso tem esse mérito muito grande e elas também: a Sabrina, Monalysa, a Raissa, que tiveram as próprias vidas transformadas pelo concurso. Isso é fato. Cada uma que é eleita, depois daquilo ela não é mais a mesma e é uma bobagem se ela não souber aproveitar realmente esse momento", declara Karina.


As seis misses negras no Miss Brasil 2016: Mariana Theol (Rondônia), Deise D'anne (Maranhão), Sabrina Paiva (São Paulo), Victória Esteves (Bahia), Beatriz Leite (Espírito Santo) e Raissa Santana (Paraná). Créditos: Reprodução

Henrique Fontes diz que a falta de eleições de misses negras se deve ao próprio racismo enraizado: “[No começo] Era muito difícil você ver pessoas afrodescendentes ter destaque no que fosse, elas mesmas não esperavam isso. Na pesquisa que eu fiz com o meu livro eu tenho uma matéria da revista Manchete que o repórter brasileiro cobrindo o Miss Universo em Long Beach fala ‘de repente surge uma pessoa de cor atrás de mim e pergunta ‘não tem nenhuma moça de cor no concurso?’, e eu respondi a ele ‘pudera, isso é um concurso de beleza’”.


“Só fazendo uma análise. Na época dos militares isso era mais ainda enraizado. As moças eram todas brancas e quando entravam uma moça negra, dificilmente ela tinha destaque. A que teve mais foi a miss Guanabara 64 que foi vice miss Brasil. Foi Beleza Internacional, ou seja, ela é a primeira Miss Brasil negra e ficou em terceiro lugar, a Vera Lúcia Couto. Maravilhosa e um símbolo na época, mas foi um caso isolado. Depois a gente teve a Deise Nunes ganhando o Miss Universo Brasil em 86 e no Miss Brasil Mundo a gente tem uma. Em 2015 a Ana ganhou, mas abriu mão do título para manter o casamento dela no Brasil, aquela história toda que a gente foi parar lá na Fátima Bernardes”, conta Fontes, lembrando da sua miss que abriu mão do título para ter o reconhecimento de seu casamento na Bélgica aqui no Brasil.


Uma outra Miss Brasil, eleita em 2013, Jakelyne Oliveira, já queixou-se sobre se considerar negra quando participou do reality show A Fazenda, em 2020. Quando ela foi eleita, não houveram matérias falando sobre ela ter sido a primeira negra eleita em 27 anos: “Depois de mim, quando ela [Raissa Santana] venceu, começaram as matérias 'segunda Miss Brasil negra da história' e começaram a falar por que ela era negra, e eu não era. Aí eu virei pra minha mãe e perguntei o que eu era. Eu tenho traços negros. Eu sou a miscigenação em pessoa: tenho branco, negro, indígena. E minha mãe falou que eu era negra, e as pessoas falavam que eu não era, não me aceitavam como negra. Fiz minha árvore genealógica, e saiu cafuzo. Meu pai é negro. Agora, porque eu puxei o cabelo liso da minha avó, não sou negra. Eu sempre me considerei negra, e as pessoas viraram pra mim e disseram que eu não era negra”, desabafa Jakelyne no reality.


Raissa Santana é amiga de Jakelyne, mas elas não chegaram a conversar sobre o assunto: "Nunca conversei com a Jake sobre isso. Somos amigas e eu quero muito sentar com ela para conversar sobre. Lembro quando ela falou na Fazenda. Hoje a gente tem uma discussão muito grande em relação a isso da questão racial se a pessoa é preta ou não é preta, é muito complicada. No Brasil temos uma miscigenação muito grande. Talvez até eu mesma em algum momento possa ter pecado em ter falado isso [de ser a segunda Miss Brasil negra], porque talvez eu não tivesse essa noção. Foi falado tanto isso e ficou tão impregnado e acabou se tornando uma verdade absoluta".


"No meu ano teve um recorde [de misses negras]. O que é um absurdo, seis misses negras. Poderia ter sido muito mais, mas foi um recorde. A minha vitória eu vejo dessa forma. Por muito tempo eu olhei como algo incrível, mas que é um momento para reflexão também: por que um concurso de tantos anos tão poucas misses negras ganharam? A gente entende que é essa sociedade racista que a gente vive e o padrão de beleza imposto. Eu não tinha noção da importância daquilo. Fiquei tão impactada que demorei semanas para entender o que estava acontecendo e realmente me pareceu um sonho. Quando eu fui para o Miss Brasil eu não tinha uma expectativa para ganhar, não me preparei psicologicamente para isso", recorda Raissa Santana.




 
 
 

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