Conclusão: tempos mudam
É notório que os concursos de beleza, ainda que carreguem sua marca histórica de como foram concebidos décadas atrás, já não representam em essência o que um dia foram e isso deve ser encarado como algo positivo. Já que, se antes não podíamos falar que aquele concurso era fútil -- final, antes mesmo da etapa das perguntas serem importantes, a comunicabilidade da miss já era crucial para sua vitória --, hoje essa palavra se aplica menos ainda.
Falar em mercado da beleza é também cair em si de que a eleição de uma jovem numa final de concurso como o Miss Universo não é unicamente porque ela é bonita -- e aqui a beleza corroborada por um júri técnico em concurso nacionais, que devem escolher suas misses valorizando as belezas de seus países. O que pode ser visto com clareza em países do Pacífico.


Os concursos não elegem necessariamente a mais bela da cidade, do estado ou país. Ainda que essa justificativa seja rotineiramente utilizada por apresentadores dos certames, e que geralmente não possuem conhecimento para tal. “Beleza é algo muito subjetivo. O concurso nunca foi sobre beleza. Se fosse sobre beleza Martha Rocha teria sido Miss Universo. Ela perdeu para a Miriam Stevenson, dos EUA, que era muito mais comunicativa, isso que alegaram. Não foram as duas polegadas”, afirma Elaine Cristina.
Hoje, as candidatas chegam em um palco como o Miss Universo em sua grande maioria levando suas histórias de vida e com um claro objetivo. Todas que se destacam possuem um relevante projeto social que a mesma criou ou apoia ativamente em seus países. A Miss Universo 2023, Sheynnis Palacios, da Nicarágua, tem como bandeira a saúde mental e atua com um projeto próprio a respeito em seu país. Além, claro, de geralmente falarem mais de um idioma além da sua língua materna.
Tudo isso é reflexo dos tempos atuais, até mesmo a adesão das mulheres transgêneros no Miss Universo 2012 e suas efetivas participações em 2018 e 2023; das mães, casadas e divorciadas a partir deste ano, e do limite de idade sendo retirado para que toda e qualquer mulher que queira, possa se sentir a vontade para concorrer aos concursos de seus países e quem sabe chegar no Miss Universo. A própria questão do corpo, que não há regulamento exigindo peso e altura, é uma barreira que está sendo quebrada com as representantes do Canadá em 2016 e de Nepal agora em 2023, que também teve forte apelo midiático por representar o corpo real de uma mulher plus size, se assemelhando a maioria das mulheres do mundo.
“A mulher mudou e os concursos precisam acompanhar as mudanças da mulher. Isso aconteceu na moda também. Hoje vemos várias mulheres plus size, de ‘corpo normal’, a mulher real em capas de revista e propagandas. Acho válido quando isso acontece porque mostra a valorização da mulher. O que me entristece é quando a gente percebe que é ‘empoderamento de telão’, porque hoje se fala muito. E [essa mudança] não é politicamente correto, não é mimimi. Porque o mimimi é aquilo que não dói em você e dói no outro. É o mundo evoluindo. É muito triste você pensar, por exemplo, que quando eu era adolescente não tinha maquiagem para mim, e eu nem sou retinta. Se os concursos não acompanharem as mudanças do mundo e da mulher, eles vão acabar. Porque não vai ter sentido, a miss precisa ter um papel social”, finaliza Elaine Cristina.
TEXTO ADICIONAL 23/02/2024: Sobre o Miss Universo, "falsa" inclusão e capitalismo
Passados cerca de 70 dias desde que me formei com este TCC, e agora com o material finalmente no ar para todos, senti que deveria adicionar alguns poucos parágrafos nesta sessão, criada justamente porque eu senti falta de um encerramento ou contraponto mais adequado. E ainda faltava mais.
Como deu para perceber, tem um ar mais opinativo e por isso também usufruirei disso para falar o que quero. Faz alguns anos que estou em conflito com o mundo miss, entre o gostar disso ou não, até que veio a oportunidade de acompanhar isso profissionalmente. Seja para acontecimentos bons e memoráveis como eleições de mães e mulheres trans, seja de assuntos não muito delicados.
Nesta terceira semana de fevereiro vazou vídeos de supostas reuniões do Miss Universo onde veio à tona o improvável cenário (para muitos rs) de que as mudanças recentes no concursos não aconteceram puramente por inclusão e mais diversidade. Nas gravações, os responsáveis pelo concurso, inclusive sua dona, afirmam com todas as letras que as misses fora do padrão secular de uma mulher, o que incluiria além da questão do corpo e idade a sua solteirice, "podiam competir, mas não vencer". Muitos agora acusam o concurso de fraude e de ter promovido uma "falsa inclusão".
Confesso que não sei de onde vêm a surpresa de todas as partes. Ora, o concurso se autopromoveu sim com as mudanças e ganhou certa visibilidade, movida também por tal necessidade que o meio digital pede/exige, precisamos ser honestos. E que fique claro: não estou aqui defendendo o que eles dizem.
Quando refleti sobre minha apresentação de TCC com amigos, modéstia parte, muito bem elogiada, uma das minhas maiores preocupações era de que se eu tinha conseguido passar uma das mensagens que acredito ser crucial para o meu entendimento dos concursos de beleza em geral: trata-se de uma empresa. Como toda empresa há seu negócio, não deveria causar espanto que haja interesses e um anseio por mais e mais lucro. Para lucrar em meio a um formato que muitos julgam como ultrapassado, o que deveria ser feito? Se expandir para atrair mais inscrições, mais público e mais publicidade e patrocinadores. É assim que as coisas funcionam em uma sociedade capitalista. O Miss Universo nem a Miss Universo não vão resolver os problemas do mundo.
Sempre tive em mente bem cristalizado, e cheguei a externalizar isso para pessoas próximas que não me deixariam mentir que, apesar das mudanças do Miss Universo e de eu olhar isso como aspecto positivo (e aqui não quero e espero não entrar em contradição com o início original desse texto), dificilmente uma mãe, plus size ou mulher trans venceriam o concurso em médio prazo. A curto prazo impossível, ainda mais com as mudanças internas de chefias que o concurso promoveu desde a última edição em El Salvador. Sabe o capitalismo? A atual dona do concurso, a magnata tailandesa Anne Jakrajutatip, que é uma mulher trans, adiquiriu a franquia por US$ 20 milhões de dólares em 2022. No início de 2024 ela vendeu metade por US$ 16 milhões de dólares. Saiu no lucro.
Desde o concurso em novembro de 2023 eu vi algumas críticas à edição. Teve gente estudada e que eu nutria certa admiração que afirmou que por ter tido uma candidata plus size todas as candidatas de 2024 seriam assim. O que falar das críticas às participantes com mais de 60 anos anunciadas na Argentina e Filipinas? Como pode o ser humano ser tão ingênuo de achar que realmente o Miss Universo vai eleger nos anos seguintes uma mulher trans, uma idosa, uma mãe ou uma gorda? A publicidade dessas participações serve unicamente para atrair mais olhares ao concurso, seja por críticas negativas ou positivas. Vão se falar a respeito e no final isso que importa. Seria incrível ver uma mãe eleita Miss Universo? Com toda certeza. Mas isso envolve tantas questões, talvez as mesmas que faz com que o concurso quase-irmão conservador Miss Mundo não aceitar. Como garantir os cuidados dos filhos enquanto cumpre agenda de Miss Universo ou Miss Mundo. É possível, claro, mas o concurso está ou vai se preparar para isso? Quer isso?
A resposta talvez já tenhamos. Apesar do meu otimismo reluzente, até mesmo por ter conseguido construir este TCC, eu mantenho muito meus pés no chão principalmente conhecendo o mundo como ele é hoje. Dividido como está. Repito, apesar de mulheres trans serem permitidas no Miss Universo desde 2012, apenas em 2018 teve uma participante sem classificação e só em 2023 outras duas candidatas competiram para enfim uma se classificar, sem avançar na competição. As pessoas realmente vão esperar que uma idosa, uma mulher gorda ou uma mãe vão vencer o concurso em 2024, 2025 ou 2026? Vocês conseguem imaginar uma mulher trans sendo eleita Miss Universo nos próximos três anos? Se estivéssemos em tempos menos odiosos, eu torceria muito para que sim, mas pelo bem dela própria (futura competidora) e da comunidade trans global, eu prefiro não pensar no pesadelo que seria para suas vidas se isso se tornasse realidade as custas de um concurso que supostamente quer se autopromover em cima de pautas tão importantes.
Acho que falei tudo o que tinha para falar. Por ora...
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