Como as misses se preparam: Do sonho à realidade
Escolher ser miss em um país como o Brasil, onde a tradição dos concursos de beleza já passou, nem sempre é fácil, ainda mais considerando que não basta apenas sonhar para tal. Afinal, está em jogo muito mais do que ter uma faixa e coroa de um título municipal, estadual, nacional ou até mesmo internacional. É, muitas vezes, a chance de mudar de vida.
“Ser uma miss nunca foi um sonho para mim. Eu achava lindo assistir na televisão, era uma coisa até cultural na minha casa, assistir com meus pais, toda vez que tinha Miss Minas Gerais, Miss Brasil ou o próprio Miss Universo que durante muitos anos foi transmitido pelo SBT e depois Band. Achava lindo, mas não achava que era algo para mim. Não por nada, eu só nunca tinha pensado sobre isso, competir em um concurso de beleza”, declara Lorena Rodrigues, modelo, jornalista e mentora de misses e misters — homens que disputam concursos — para concursos de beleza.
Formada em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e em Jornalismo pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF), Lorena não queria se inscrever em um concurso, até ser convencida a participar na época da faculdade do Miss Universitária Minas Gerais representando sua cidade, Juiz de Fora (MG). Sem preparação, ela conseguiu chegar no segundo lugar do concurso.
"Foi aí que acendeu uma chama em mim. Eu pensei: sem nenhum estudo prévio, preparação, eu alcancei um segundo lugar, será que isso é para mim? Será que se eu realmente me dedicar eu consigo vencer um concurso, consigo ser uma Miss Brasil? Porque querendo ou não, ser uma Miss Brasil enche muito nossos olhos quando a gente entra nesse ramo dos concursos", admite.

Essa preparação que Lorena cita envolve diversos profissionais que cuidam desde a oratória, passarela, idiomas, academia e estética, até o cuidado com a saúde física e mental. Há centros e iniciativas conjuntas ou individualizadas para cada uma dessas áreas, como é o caso da Signum Assessoria, responsável por preparar misses para diversas franquias e que conta com métodos próprios para adaptação de suas alunas.
“As misses são preparadas em dois métodos. Cada método de acordo com a disponibilidade delas. O primeiro é em grupo onde é dado técnicas sobre oratória e conhecimentos de idiomas (espanhol e inglês), do básico ao avançado, sem foco exatamente no concurso e mais na aprendizagem. O segundo método é individual, onde a gente foca o inglês, espanhol e a oratória voltado para cada concurso que elas estão com o objetivo de participar e ganhar. Desenvolvendo um vocabulário de acordo com aquela franquia tanto no próprio idioma como nos outros idiomas. As aulas em grupo são mais baratas e foram pensadas neste custo mais barato para uma democratização dos idiomas estrangeiros e em melhorias da fala do nosso próprio idioma. Já que a grande maioria dos cursos e das preparações são bem caras e inacessíveis ao bolso da grande parcela das candidatas”, afirma Luinara Menezes, professora de idiomas, psicomotrista e uma das responsáveis pela Signum.
Estudo e planejamento são bem-vindos
Quando se fala em concursos de beleza, há uma infinidade de franquias e possibilidades que uma miss pode ir. Um ponto crucial para que o sucesso seja alcançado é o conhecimento de que cada franquia é diferente, por exemplo, a do Miss Universo e do Miss Mundo. Especialistas dizem que é preciso saber o que esse concurso busca, o que a candidata espera e o que a própria franquia espera de uma miss para escolher a vencedora daquele ano, ainda que não exista uma fórmula para que se saiba o tipo exato de escolha.
“Vale salientar que não vale a mesma preparação todo ano mesmo se tratando da mesma franquia. Pessoas são diferentes, perfis são diferentes, a Miss de cada ano é diferente”, ressalta Eder Ignacio, empresário, preparador de misses e coordenador do Miss Universo São Paulo que por anos comandou o Miss Ribeirão Preto com considerável sucesso.

Duas das misses com quem Eder trabalhou venceram o Miss São Paulo em anos consecutivos: 2014 (Fernanda Leme) e 2015 (Jéssica Vilela). Ele conta seu diferencial para conseguir esses resultados: “Sem falsa modéstia me considero um cara que parte pra cima. Eu visualizo o momento, entendo a miss que tenho na minha mão e tento sanar quaisquer possíveis falhas na isca da coroa máxima”.
A última brasileira a se classificar no Miss Universo, Julia Gama, adotou todo um planejamento estratégico para obter bons resultados quando era universitária no Rio Grande do Sul. Seu segundo lugar no Miss Universo 2020 veio também devido a sua trajetória de anos antes, quando ela disputou um concurso gaúcho que lhe deu vaga para o Miss Mundo Brasil 2014, no qual venceu e foi semifinalista no Miss Mundo do mesmo ano, na China, país que ela residiu até ser convidada para ser Miss Universo Brasil em 2020, já em época de pandemia — não teve concurso presencial.

“Eu fiz todo um planejamento estratégico do concurso Miss Mundo Brasil e Miss Mundo e me preparei já focando na etapa internacional. Multidisciplinarmente. E o que eu quero dizer com isso? Idiomas, inglês, espanhol, um bom português, a parte de consciência e expressão corporal para poder performar na frente de tantas pessoas e entregar o seu melhor. Então eu entrei na classe de atuação de teatro para me desinibir porque eu reconhecia que era muito tímida. Antes de querer performar eu precisava ter capacidade. Então o teatro me ajudou na parte de expressão corporal, mas também me desinibir e foi aí que eu me apaixonei por atuação. O Miss me levou a conectar com minha verdadeira paixão, que é a atuação. E não só atuação por atuação, mas no sentido de expandir a minha paixão pelas pessoas a nível mundial. Não era mais só o Rio Grande do Sul, só o Brasil”, lembra Julia Gama, que agora vive no México.
“No primeiro concurso minha motivação era me amar. Eu vinha de uma história de depressão por muitos anos e muitas questões de saúde mental que eu dizia ‘eu não posso, eu não quero mais deixar que isso me defina. Quero ter uma melhor autoestima, saber me cuidar’. Essa foi minha motivação para me manter constante nesse processo. Para o Miss Mundo Brasil como candidata, eu queria sim entregar um resultado para meu estado, mas o que me motivou foi entender o viés social, o comprometimento social que o concurso exigia das candidatas, porque isso ia fazer sentido para mim. Nessa época, fazer um show ou ser bonita, ou as pessoas falarem que eu era bonita, ou simplesmente ter uma foto, isso não me motivava, não fazia sentido pra mim, era algo superficial”, declara.
Julia conta que o Miss Mundo fez sentido para ela, que até então não tinha pensado no Miss Universo. No Miss Mundo existe a etapa do Beleza com Propósito, onde a candidata deve apresentar um projeto social que criou ou faz parte. Apoiando a causa da hanseníase, Julia Gama foi uma das vencedoras desta etapa e garantiu vaga no Top 11 do Miss Mundo 2014. Sua preparação para o concurso foi intensa.
“Minha preparação era incansável desde as 5h da manhã até meia-noite, conciliando a faculdade com a preparação multidisciplinar nos mais amplos sentidos. Estudando cultura geral, conhecimento geral, tentando colocar em palavras toda essa mensagem que eu queria trazer pro mundo e impactar para o mundo e de maneira muito estratégica, porque toda preparação para mim, seja de um concurso, seja de um emprego, ela vem também de um estudo de ‘quem é que está me contratando? Ah, esse é o diretor do concurso? Quem é esse cara? O que ele gostaria de ouvir? Como ele gosta de ser tratado?’. Isso tudo entra para mim dentro da preparação de um concurso, por isso para mim é tão infinita, e vale a pena, porque não tem preço você chegar no seu objetivo se sentindo preparada. E os resultados são os melhores, não necessariamente a coroa, mas essa evolução que te preparou para o que vem”, conta.
Gama diz que sempre foi focada em objetivos desde que estudava na rede pública quando adolescente e sofria bullying. Foi justamente por isso que ela decidiu estudar para conseguir bolsas em colégios particulares onde se sentiria mais segura. Foi essa determinação que ela aplicou na vida dos concursos, iniciada pela franquia Mundo, até então pouco valorizada: “Acredito que o Miss Mundo foi uma grande escola para mim e para mim era o que fazia sentido na época. Naquela época eu não fui para o Miss Mundo porque o Miss Universo era mais difícil como muita gente pensa. Eu nem sabia, eu nem pensava no Miss Universo, não tinha a mínima vontade, não fazia nenhum sentido e o Miss Mundo virou a minha vida naquele momento que eu era Miss Mundo Brasil. Aí eu volto, sigo no meu trabalho social, mas decidi mudar para as Artes Dramáticas e me dedicar a atuação”.

“Seis anos depois, quando uma vez mais Deus fala comigo por um sonho, eu digo que preciso ir para o Miss Universo. Não sabia como ia chegar lá, não tinha dono de franquia no Brasil, não tinha data do concurso, era meu último ano por idade e eu tinha contratos na China que não podia deixar. E só acordei e escrevi na minha parede ‘Miss Universo’. Como eu vou chegar eu não sei, isso é problema do universo, eu só declaro que quero isso, e você [Deus] vê como’. Eu mentalizava isso todos os dias, me visualizava no Miss Universo, sabia que a minha história precisava ir para lá. Eu precisava de um novo boom na minha carreira, uma nova refrescada na minha imagem aqui e foi o que eu fiz. Sem eu mexer nada, sem eu buscar, chega o convite em maio para eu voltar para o Brasil. Eu tava morando na China por quatro anos atuando e trabalhando com grandes companhias. E veio o convite para ser Miss Brasil Universo”, lembra a hoje atriz e apresentadora.
Apesar da trajetória de sucesso no primeiro concurso e aparente aceitação do seu nome como Miss Brasil, Julia não tem um bom retorno e recebe muitas críticas ao chegar ao Brasil, principalmente devido ao seu peso e a idade — ela tinha 27 anos quando foi escolhida Miss Brasil: “Volto para o Brasil e recebo todas as críticas do mundo. A verdade é que durante o tempo que eu estava na China eu segui trabalhando com aquela equipe de venezuelanos preparando pessoas para realizar o sonho delas. Então agora eu tinha mais claro do que nunca como eu me prepararia para o Miss Universo. Podem ter me chamado de gorda, velha e de feia e eu sabia que ia enfrentar todas as críticas, porque pelo meu trabalho lá, eu tinha acabado de gravar, eu tava 17 quilos a mais do que eu queria entregar para o Miss Universo. Então eu avisei para o dono da franquia: ‘olha, a gente vai receber muito hate, muita coisa, mas eu confio e quero que você confie que eu vou entregar o resultado que você precisa’”. O resultado foi o segundo lugar no Miss Universo, a melhor colocação brasileira desde o vice de Natália Guimarães, em 2007.
Julia Gama perdeu para a Telemundo, da qual hoje é uma apresentadora